Lembro-me da derrota por 2-0 de Araújo perante a toda poderosa Sampdória, em que, no fim do jogo, o treinador disse que sentia ter ganho uma equipa para subir.
Não é só nas vitórias que se percebe o insucesso de uma equipa. A glória pode ser analisada através de uma derrota.
Mas... Como nasce uma crise numa equipa de futebol?
Cada caso terá as suas razões, mas há realidades quase universais. O enigma aumenta quando nela está um treinador que pouco antes transportava uma aura de grande sucesso. Em Verona, o céu caiu em cima da cabeça de Il Marzapi. A imagem vitoriosa trazida do Estrela esfumou-se. O Hellas desceu em penúltimo lugar da Serie A. A cada grande plano de Il Marzapi no banco, via-se um olhar que parecia perder-se no horizonte das quatro linhas do relvado. A equipa parecia uma sombra errante. Uma época em que colocou uma equipa a jogar no abismo. Foi, dos que subiram, a única que desceu, com escandalosas derrotas de 7 a 0 e por aí fora na caminhada rumo à toca do lobo.
Não basta uma sucessão de maus resultados para se falar numa crise. É preciso que na sua origem estejam sucessivas exibições onde, para lá da questão táctica, se veja uma equipa deprimida em campo, sem atitude táctica e emocional. É o que sucede no actual Verona. O seu jogo está longe de um esquema táctico certo (Marzapi não jogou dois jogos consecutivos com a mesma táctica) com extremos ou homens verticais e rápidos nas faixas que fizeram, dizem por aí, a imagem do belo Estrela. Itália é, no entanto, diferente. É outro futebol em calão mais "macaco".
Em campo, a equipa está muito longe de entender esse jogo e essa filosofia. Sente-o Marzapi e sente-o Nikiforenko, o craque que devia pegar no jogo na criação do meio-campo, mas que joga demasiado perto do ponta-de-lança Adaílton ou então demasiado longe.... até na esquerda já jogou!
A alteração da dupla atacante Corallo-Adaílton mudou o jogo da equipa nos últimos 25/30 metros, passando para um Zegarra perdido e um Adaílton claramente em baixo de forma e demasiado sí. Adaílton não se move bem sozinho, não encaixa com Zegarra em termos complementares. Abordam o jogo de forma semelhante perto da área. A compra de Zegarra foi um flop técnico, tendo que jogar um jovem entretanto promovido da B, Abruscatto, e sem Salgado emprestado. (Salgado na A será sempre uma incógnita, mas certo é que fez falta).
A capacidade de Adaílton segurar a bola esperando a subida dos médios era fundamental para agarrar o ataque. O problema nas faixas, espaço de devoção de Krino, nasce também da falta de ligação laterais-alas. Tem apenas um bom lateral (Diope) que é robusto a defender e atacar, mas falta depois combinar com os alas (como por exemplo Balashov, que praticamente não se viu).
Foi quando surgiu Diope, mas quase sempre apenas em iniciativas individuais, que a equipa ganhou alguns jogos. Milevsky, a trinco, vai segurando o momento defensivo, mas com o peso da falta de um central de classe mundial fora da equipa, é Nikiforenko que sofre mais com a falta de ligação entre-sectores do onze. Milevsky é e sempre foi um lateral esquerdo de craveira. Além do mais, Marzapi gastou tanto dinheiro e não comprou um trinco também fundamental para se jogar bem em Itália.
Muitas vezes parece que a bola fica confundida entre os outros e Nikiforenko/Zegarra, sem saber com quem deve confiar para fazer o transporte defesa-ataque. Uma indefinição colectiva por onde também se escapa o talento de Zegarra, promessa peruana vinda do Salamanca, mas com um ritmo de jogo diferente do resto dos médios.
A verdadeira crise de uma equipa de futebol existe quando a equipa, perdendo ou ganhando, não revela identidade clara em campo. Il Marzapi falhou na construção da identidade porque não entendeu como fazer a adaptação filosófica do seu futebol dos relvados portugueses para os italianos. O passado faz parte do passado.
Bruno Trapattoni, comentador desportivo.
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