quinta-feira, 8 de abril de 2010

Dançando nos pés de Carlos Jacques.

Oiço falar Araújo e arrepio-me. O problema chama-se ter um 10. Não um Maradona porque esse não existe, mas um Carlos Jacques. O treinador soube analisar.

A história está construída em cima dos ídolos que marcam cada geração. É humano. Tal como é, através dos tempos, o chamado conflito de gerações. Um choque que se traduz numa injusta sucessão de comparações entre figuras de épocas diferentes. Não faz sentido. Em nenhum desporto. Comparar Jesse Owens com Usain Bolt, Sptiz com Phelps, ou, claro, Maradona com Messi. Cada época, tem o seu génio. Ou melhor, as suas condições para expressar o génio. Também nos treinadores se tentam esses paralelos. Na Serie B, comparar Ziad com Araújo. No estilo, arte do conflito e astúcia táctica, até serão parecidos, mas o estilo de futebol difere. Assim como são Skalidis e Tsigalko, mas ambos com a mesma eficácia impressionante.


Ziad não joga, porém, em 4x3x3. Ziad começa a jogar em 2x3x3x2. Araújo joga em 4-5-1. É diferente. E muito. As acelerações e travagens de Kerr e Bolaño na Samp e Tinaia e Eriksson no Nápoles, traçando linhas de passe ou temporizando jogo, são a bússola que faz a bola percorrer o campo ora em largura, ora em profundidade. O movimento torna-se harmonioso, (campo grande a atacar para a Samp- mas campo também grande a defender; O Nápoles prenche suficientemente os espaços atrás e à frente) mas o principio para este jogar bem não está no mito da dinâmica. É, antes de tudo, o espaço de jogo ocupado com racionalidade posicional. Uma disciplina rebelde expressa na anarquia organizada do meio-campo até às movimentações sincronizadas do trio atacante: Jacques-Skalidis-Bazzani faz da Samp mais atacante. Os jogadores respeitam os espaços uns de outros. É esta a base da boa posse de bola.

O segredo está em perceber que a origem da criatividade está na organização. Os golos de Skalidis e de Tsigalko têm uma lógica no jogo. Não são aventuras anárquicas. É isso que faz deles jogadores fabulosos. Mas só pode ter essa liberdade criativa porque atrás deles alguém lhe criou essa condições para ele levar o jogo para outra dimensão sem correr-se o risco de quando tudo voltar à normalidade a equipa não esteja desequilibrada. É o pilar da organização, terra firme sobre a qual caminha a criatividade. Aguentar a distância entre as linhas é o segredo para manter esse equilíbrio, a raiz da organização.
Jacques é outro tipo de jogador. Porque cria e resolve vindo de trás.
A bola nos seus pés fica viva, e é daqueles pés que se pode esperar tudo. Falta claramente, e como disse muito bem Araújo, Jacques ao Nápoles. Compreensível é a falta de Tsigalko para jogar ao lado de Skalidis e à frente de Jacques.
Alguém conseguirá imaginar o que poderia surgir num ataque com os 3 artistas da Serie B? Curiosamente, foram os melhores jogadores e os melhores marcadores do campeonato.

A forma como, nesta forma de jogar, a equipa da Sampdória e do Nápoles assumem o risco tem a ver com a posse de bola ser levada quase até dá-la a cheirar mesmo no nariz do adversário. A estratégia passa em atrai-lo para o grande objecto de desejo do jogo. A bola, claro. Dominado por essa atracção, tenta-se que ele saia das suas posições. E quando ele chega perto da bola, deve sair o passe, porque atrás dele ficou o espaço livre. E assim sucessivamente.

Resumindo, a Sampdória tem um estilo que pode estar tão perto de ganhar de goleada como de…perder o jogo. Porque brinca com o fogo. Coloca a organização no limite. Coloca a criatividade numa quinta dimensão onde a equipa entra só depois de ela ganhar contornos concretos. Ou seja, nada disto, é abstracto. É de carne e osso. E, no fim, a bola diz: obrigado!
O Nápoles tem outro tipo de futebol. Mais racional e de preenchimento táctico. Começa a atacar defendendo, explorando um solitário matador bielorusso que geralmente não falha duas seguidas. Duas equipas bem exploradas e o futebol ficou a ganhar. Um Jacques em Nápoles mudaria tudo, mas um Tsigalko em Génova também.

P.S: Não estão em causa resultados ou classificações. Está aqui em causa o futebol.

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